Obrigado.
Espero que o capítulo II esteja à altura das expectativas e contribua para dar a conhecer a Família Real portuguesa e as suas relações com a Família Real espanhola:
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Palácio de Queluz:
Queluz era uma pequena quinta a pouca distância de Lisboa, que pertencia à Casa do Infantado, conjunto de propriedades que pertenciam aos filhos segundos dos Reis.
A Casa do Infantado foi criada por D.João IV a favor do filho, o futuro D.Pedro II, que haveria de suceder ao irmão, o infeliz D.Afonso VI.

D.João IV

D.Pedro II

D.Afonso VI
O património da Casa do Infantado foi constituído maioritariamente com bens patrimoniais, propriedades e rendimentos confiscados aos apoiantes de Espanha após a Restauração da Independência em 1640, permitindo-lhes «perpetuar e dilatar o mais que puder o sangue e família real».
Curiosamente, todos os senhores da Casa do Infantado, supostamente filhos segundos, vieram a ser reis de Portugal com uma única excepção:
D.Pedro II, filho de D.João IV
D.Francisco,
a excepção, filho de D.Pedro II, príncipe despótico que, à semelhança do que o Pai fizera, quis tomar o trono (e a mulher) do irmão D.João V

D.Pedro III, filho de D.João V
D.João VI, filho de D.Pedro III e D.Maria I
D.Miguel I, filho de D.João VI foi o último senhor da Casa do Infantado, tendo esta sido extinta em 1834.
A Quinta de Queluz pertencera ao 2º marquês de Castelo Rodrigo, D.Manuel de Moura Corte-Real (1590-1651), grande de Espanha em 1621.

Filho de D.Cristóvão de Moura, o valido de Felipe II e seu principal agente em Portugal na crise dinástica que precedeu o “take over” sobre Portugal em 1580, o 2º marquês não reconheceu a realeza de D.João IV, permanecendo em Madrid onde foi figura de relevo na corte de Felipe IV, tendo sido embaixador espanhol em Roma e Viena, governador dos Países Baixos espanhóis e acabando a carreira como mordomo-mor do Rei.
Os seus bens em Portugal integraram o património da Casa do Infantado.
Na Quinta de Queluz havia um pequeno pavilhão de caça que o Infante D.Pedro deitou abaixo para construir uma residência de Verão, em estilo rococó.
Não imaginava que estava a construir um dos mais belos palácios de Portugal, e ligado de forma indelével à história de Portugal.
Queluz é considerado o Versailles português,
modelo à escala reduzida e humana do grande palácio de Luis XIV.
https://portugalvirtual.pt/sintra/pt/pa ... queluz.php


Imagens do espectáculo “A Corte em Queluz – Viagem ao Portugal de Setecentos”.

A seguir ao terramoto, enquanto o Rei D.José residia em Lisboa, na Real Barraca, palácio de madeira que mandou construir após o terramoto, por recear viver num edifício em pedra, D.Maria e D.Pedro residiam em Queluz.
Alguma nobreza, descontente e indignada pela execução dos Távoras e do duque de Aveiro, reuniu-se em Queluz em torno da herdeira do trono D.Maria e de seu marido, constituindo uma 2ª corte que ia dando algumas alfinetadas em Pombal, mas sem lhe causar grande mossa dado que a polícia política era por demais eficiente e dissuadia grandes manifestações de oposição.
Todavia, irritado com a situação, Pombal congeminou a ideia de alterar a sucessão ao trono.
Portugal nunca tivera uma rainha-reinante, pelo que a situação ideal seria fazer o Príncipe D.José (que tinha sido devidamente doutrinado por Pombal) suceder directamente ao Avô, afastando D.Maria e D.Pedro do trono e mantendo-se Pombal como primeiro-ministro e tutor do príncipe, ainda de menor idade.
Tanto D.Maria, como a Mãe, Mariana Victoria, opuseram-se tenazmente a esta ideia e, juntamente com a alta nobreza, que temia que uma sucessão avô-neto faria perdurar no poder o odiado Pombal, conseguiram que o Pai não aprovasse a ideia do Ministro.
Mas Pombal tinha ido mais longe.
Descontente com o “abraço sufocante” providenciado pela Espanha, que tinha na Rainha Mariana Victoria a sua figura proeminente, Pombal tentou uma aproximação com França, que aliviasse a preponderância da influência espanhola.
Uma aproximação destas geralmente tinha sempre a mesma consequência. Era selado com um casamento entre as casas reais.
O alvo pretendido era Mme Elisabeth (1764-94), a neta mais nova de Luis XV, irmã dos futuros Luis XVI, Luis XVIII e Carlos X.

Elisabeth não se mostrou adversa à proposta, mas, sendo muito ligada ao irmão Luis XVI, terá ficado aliviada quando as negociações não chegaram ao resultado pretendido.
Tendo tido a oportunidade de abandonar França quando da Revolução, com os irmãos os condes da Provença e de Artois, decidiu acompanhar a sorte do irmão, da cunhada e dos sobrinhos, tendo partilhado o seu destino, sendo encarcerada e guilhotinada em 1794.
Voltando a D.Mariana Victoria, ela suspeitava que algo se andava a negociar visando o casamento do neto, mas não conseguiu obter qualquer informação do Rei ou de Pombal.
A Rainha “encurralou” então o Secretário de Estado-Adjunto de Pombal, José de Seabra da Silva, que, sem o poder e a habilidade de Pombal, se desbocou e revelou todo o plano francês.

Quando o Rei e Pombal souberam que a Rainha descobrira o plano secreto, o pobre secretário foi exilado, primeiro para o Brasil, depois, para Angola, só regressando a Portugal após a morte do Rei e a queda de Pombal em 1777.

Mariana Victoria empenhou-se em combater o plano francês com toda a sua energia.
Afinal, ela ainda não esquecido a humilhação de ter sido rejeitada como noiva de Luis XV e recambiada para Madrid.
Em Espanha não havia qualquer princesa em idade casadoira, pelo que a única hipótese era recorrer “à prata da casa” e apressar o casamento da filha mais nova D.Maria Francisca Benedita com o neto, D.José, Príncipe do Brasil.
A Rainha aproveitou bem o facto de o Rei ter caído doente e a ter nomeado como Regente.
Opositora declarada de Pombal, uma das primeiras medidas da Regente foi impedir o acesso do Primeiro-Ministro à cabeceira do Rei, obrigando-o a despachar apenas com ela.
Afastado Pombal, Mariana Victoria conseguiu que D.José I aprovasse o casamento entre o neto e a sobrinha o que veio a acontecer 3 dias antes da morte do Rei, defraudando as intenções do ministro !
D.José Príncipe do Brasil

D.Maria Francisca Benedita
Assim, o príncipe D.José (1761-88), por indicação expressa do avô, casou em 1777, ainda com 15 anos, com sua tia D.Maria Francisca Benedita.
O príncipe era um jovem de talento, muito instruído, muito versado e entusiasta pelas coisas militares. O povo estimava-o pelo seu carácter nobre e suas boas qualidades. Desde a mais tenra infância que o príncipe D. José sentia decidida e terna simpatia por sua tia, simpatia que mais tarde se transformou em intenso amor.
D.Maria Francisca Benedita Ana Isabel Antónia Lourença Inácia Teresa Gertrudes Rita Rosa (1746-1829), irmã mais nova da sua mãe, mas quinze anos mais velha que o príncipe !
Princesa muito ilustrada, tal como as irmãs, distinguiu-se na música e na pintura. Falava correctamente francês, inglês, espanhol e italiano. Era a mais bela das irmãs.
Esteve projectado o seu casamento com o Imperador José II de Áustria (1741-90)

- estava mesmo destinada a casar com um José ! - que, em 1763, enviuvara de Isabel de Parma.

Mas sua Mãe, a imperatriz Maria Teresa, opôs-se e, por razões de estado, obrigou-o a casar com Maria Josefa da Baviera, princesa que José II abominava e com quem não fazia vida de casado.

Depois da morte da Maria Josefa em 1767, José II, apesar de não ter descendentes, não voltou a casar.
Nota curiosa, José II teria mostrado interesse em casar com Maria Luisa de Parma, irmã da sua bem-amada Isabel.
Livrou-se de boa

!
D. Maria Francisca Benedita, tal como sua irmã imediata, D.Maria Doroteia, foram sugeridas por sua Mãe como possíveis noivas para o tio Carlos III, depois deste ter enviuvado, no sentido de reforçar as relações entre os dois países.
Carlos III recusou as propostas e manteve-se fiel à memória de Maria Amália de Saxe .

Carlos III terá até repreendido a irmã pela sua insistência para que casasse segunda vez !
Mau início de casamento. Muito doente, o Rei morreu 3 dias após o casamento da filha com o neto, suspendendo-se as festividades.
D.Maria Francisca Benedita era a mais liberal das irmãs.
Em memória de seu marido, que amava profundamente, e dado o interesse deste pelo exército, fundou o Asilo para os Militares Inválidos de Runa, que dotou generosamente.
Já viúva, embarcou com a Família Real para o Brasil, com as irmãs e sobrinhos.
No Rio de Janeiro manteve uma vida discreta, acompanhando a Rainha sua irmã, cada vez mais alienada.
Quando a FR regressa a Portugal, empenha-se em acabar o Asilo de Runa, parado por falta de verbas e de homens, recrutados para o exército durante as invasões francesas.
No seu testamento, deixou a maior parte dos seus bens e fortuna para a manutenção do asilo.
Morreu aos 83 anos e foi enterrada junto do marido no Panteão de S.Vicente de Fora em Lisboa.

Quarto de D.Maria Francisca Benedita em Queluz.
O casamento foi feliz, apenas ensombrado pela falta de um herdeiro, tendo D.Maria Francisca sofrido dois abortos espontâneos em 1781 e 1786.
Problemas de endogamia com duas relações seguidas entre tios e sobrinhos.
A falta de um herdeiro dos Príncipes do Brasil veio colocar o filho segundo, o Infante D.João, sob as luzes da ribalta.
Pouco se sabe sobre a infância do infante D.João, a não ser que teve o mesmo plano de educação do irmão, sendo mais apagado e introvertido que D.José, sobre quem recaiam todas as atenções e esperanças da família e do país.
Constatada a infertilidade dos príncipes do Brasil, D.Maria I começou a pensar em casar D.João a fim de providenciar o necessário herdeiro.
Mme Elisabeth de França voltou a ser considerada, mas, apesar de D.José e D.Maria Benedita não terem filhos, eles eram o casal herdeiro da coroa e D.João apenas o filho segundo.
França considerou o casamento com um filho segundo um desprestígio para a princesa e as negociações não avançaram.
Nessa altura, Portugal e Espanha andavam envolvidas numa guerra de fronteiras na América do Sul, ambas reclamando a colónia do Sacramento (equivalente ao Uruguai) e direitos de navegação no Rio da Prata.
Para selar a paz, nada melhor que um casamento principesco, visando reforçar os laços entre as duas nações.
Mas, curiosamente (ou não !) Carlota Joaquina - estamos a chegar à personagem central deste tema - não foi a primeira opção devido à sua pouca idade.
D.Maria I propôs ao tio Carlos III duas princesas da família do rei :
1. uma sua neta Maria Teresa de Nápoles (1772-1807), filha de Fernando I de Nápoles e Maria Carolina de Áustria, que em 1790 viria a casar com o imperador Francisco I de Áustria.

2. uma sobrinha-neta de Carlos III, Carolina de Parma (1770-1804), filha de Fernando I de Parma e de Maria Amália de Áustria que casaria em 1792 com o príncipe-herdeiro Maximiliano da Saxónia (1759-1838)

Nenhum destes casamentos se veio a realizar por razões desconhecidas.
Espanha tinha uma única infanta disponível, Carlota Joaquina, mas apenas com 10 anos.

Portugal, por sua vez, tinha uma infanta disponível também, Mariana Victoria, então com 16 anos, cujo casamento foi acordado com o tio de Carlota Joaquina, o Infante Gabriel (1752-88), filho predilecto de Carlos III, sendo celebrado o Tratado de Madrid, que definiu a questão das fronteiras, e reeditou uma nova “troca de princesas”, à semelhança da de D.Bárbara de Bragança/D.Mariana Victoria de Bourbon, duas gerações antes.

O casamento ocorreu por procuração em Madrid, sendo D.João representado pelo pai da noiva, Carlos (IV) então príncipe de Astúrias, seguindo-se um sumptuoso banquete para mais de 2000 convidados.
Finalizada a cerimónia, começou a preparar-se a viagem da princesa que seria recebida pela corte portuguesa em Vila Viçosa no palácio dos duques de Bragança no início de Maio de 1785, onde receberam as bênçãos nupciais na capela do Palácio, repetidas mais tarde em Lisboa.
Ao mesmo tempo, D.Mariana Victoria partia para Espanha ao encontro do marido D.Gabriel.
Palácio de Vila Viçosa :




https://www.youtube.com/watch?v=UAeATEkiOTIApós a cerimónia, a família regressou à capital, para apresentação da jovem princesa, seguindo pouco depois para Queluz, palácio onde a corte se mantinha a maior parte do ano, depois de o velho palácio da Ribeira junto ao rio Tejo ter sido devastado no terramoto, a Real Barraca de madeira de D.José ter sido consumida por um incêndio e ainda não se ter iniciado a construção do palácio da Ajuda.
Em Queluz, Carlota Joaquina revelou-se um verdadeiro terror para as damas da corte e outras serviçais.
Era mal-criada, caprichosa, intriguista e mentirosa e ninguém tinha mão nela, a não ser a Rainha que a amava verdadeiramente e desculpava todos estes comportamentos, atribuindo-os a ter sido separada dos pais e da família com tão pouca idade.
Dada a diferença de idade dos noivos, Carlota Joaquina com 10 anos, D.João com 18, houve uma longa espera até o casamento poder ser consumado.
A esse propósito, escreveu D.João :
"Cá há de chegar o tempo em que eu hei de brincar muito com a infanta. Se fôr por este andar julgo que nem daqui a seis anos. Bem pouco mais crescida está de que quando veio". De facto D.João teve de esperar até o dia 5 de Abril de 1790 para consumar finalmente o casamento.
E mais três anos até nascer o primeiro rebento que, desafortunadamente, não foi o tão esperado filho, mas uma filha, D.Maria Teresa em 29.04.1793.
Em 11.09.1788 morre o Príncipe do Brasil D.José, vítima de varíola, o que promoveu D.João e Carlota Joaquina a Príncipes do Brasil e herdeiros da Coroa.
D.José era um príncipe esclarecido e alinhado com os ideais progressistas do Iluminismo, próximo do anti-clericalismo de Pombal, enquanto D.João se mostrava mais favorável ao absolutismo régio e era de uma religiosidade pronunciada, assistindo a várias missas por dia.
Ambiente difícil de suportar para a voluntariosa e hiper-activa Carlota Joaquina, que preferia jogos, bailes e andar a cavalo.
O ano de 1788 foi um annus horribilis para D.Maria I, que já tinha perdido a Mãe em 1781, e o marido pouco antes, em 1786.
Em 11.09.1788 morre o filho D.José.
Em 2.11.1788 morre a filha D.Mariana Victoria, também vítima de varíola e complicações do parto do filho Carlos.
Em 9.11.1788 morre o neto Carlos, recém-nascido, filho de Mariana Victoria e Gabriel, que nascera a 28.10
Em 23.11.1788 morre o genro Infante Gabriel, casado com Mariana Victoria
Em 29.11.1788 morre Frei Inácio de S.Caetano, arcebispo de Tessalónica e confessor da Rainha
Em 14.12.1788 morre o tio Carlos III de Espanha, com quem D.Maria tinha excelentes relações
Esta sucessão de mortes perturbou enormemente o espírito atormentado da Rainha.
Para mais, no ano seguinte estala a revolução francesa – 14.07.1789, a que se segue a prisão e posterior execução de Luis XVI e Maria Antonieta durante o período do Terror em França – 1793-94.
Tudo isto contribui para o desequilíbrio mental da Rainha, cujos estados de melancolia já se faziam sentir há muito.
Se o arcebispo de Tessalónica

era um homem sensato que conseguia apaziguar o estado da Rainha, o seu sucessor como confessor e Inquisidor-mór foi um fanático fundamentalista, o bispo do Algarve, D. José Maria de Melo, exaltado e destituído de bom senso, que não fazia senão agravar o estado de espírito da rainha, verberando-lhe o crime que cometia em não reabilitar os Távoras, e em não chamar os jesuítas expulsos por Pombal, e amedrontando a Rainha com o facto de que, ao não remediar os actos do Pai, este pereceria para todo o sempre no Inferno.
D.Maria I vivia no dilema entre achar que deveria reabilitar essa família, e a afronta que seria em fazê-lo, por um lado, por contrariar a vontade do Pai, por outro, por ultrajar a memória da Mãe, já que D.José mantinha uma relação extra-conjugal com uma senhora da família Távora.
D.Maria I começou a ter visões do Pai numa pira de fogo e convenceu-se de que o Rei efectivamente teria ido para o Inferno e esse seria o seu destino também, tendo crises cada vez mais frequentes e graves.
O seu estado de saúde agravou-se e hoje considera-se que terá sofrido de porphyria variegata, a mesma doença de que padeceu o rei Jorge III de Inglaterra, seu contemporâneo.

D.João convidou o médico pessoal do rei inglês, Francis Willis, para vir a Lisboa observar a Rainha, tendo-lhe pago a principesca soma que, ao câmbio de hoje, se situaria em um milhão de euros

!!!, acrescida de passagens de navio, alojamento no palácio real e criadagem e carruagem.
Willis acabou por partir pouco depois, descontente com a Corte que recusou que a Rainha fosse transferida para Inglaterra, como ele pretendia, mas com o bolso bem recheado.
Com o agravamento do estado mental de D.Maria I, em 1792 o príncipe D.João vê-se à frente da governação em nome da Rainha, posição que determina uma subida na escala de Carlota Joaquina que quis passar a ter um papel mais activo.
ó em 1799 passou o infante D.João a utilizar o título de Príncipe-Regente e a governar directamente o País.
a continuar